domingo, 22 de maio de 2011

2006

Uma das minhas primeiras crônicas. Escrita despretenciosa, comprida, mas leve.
 
 

 

[Recomenda-se ouvir o cd do Trem da Viração enquanto se lê. ]

 

Já que não consigo falar, vou escrever...

Quando fui morar pela primeira vez em SP, desenvolvi uma das minhas teorias, a de que para sair lá seriam necessários 3 'cês': cacife, carro e companhia. Aos poucos fui, eu mesma, derrubando minha tese e fui a teatros, shows, óperas, parques, tudo sozinha.

Lembrei-me disso porque, no momento em que soube dos shows do Zé Geraldo e Trem da Viração em Monteiro Lobato, liguei para a Clis, para a Waine e vários amigos para combinar de ir junto. Deixei tópico na comunidade 'Beira do Riacho' oferecendo carona. Na sexta-feira estava preocupada porque não caberiam todos os meus caronas no carro.

Sábado liguei na MidiMax e descobri que os ingressos estavam esgotados. Comecei a ligar para todos que, um a um, foram justificando suas não-idas: André, Patrícia (que até me avisou do desejo-desistência do casal Luciene-Aratan), Bonny...

Primeira providência: ingresso. Liguei para a Beth do Beira do Riacho. Ela ainda tinha um talão e estava em São José, ía pegar o ônibus das 16 horas para Monteiro. Encontrei-a na rodoviária. Quase comprei 2, caso alguém resolvesse ir de última hora, pois assim não perderia o desconto, mas daí eu ficaria sem dinheiro nenhum. Ainda deixei meu telefone com ela, caso soubesse de alguém oferecendo ou precisando de carona (eu sou uma pessoa muito otimista!!!).

Voltei pra Aquarius, terminei o que era mais urgente e corri pra casa. Voltinha básica com Paxá, banho, vestimentas e meu irmão André, muito gracinha, me levou pra pegar o último circular, às 19h (R$ 2,15). Pediu para avisar se eu fosse ficar por lá ou onde me pegaria na volta, e ainda me emprestou R$ 4,00 pra passagem de volta (que se transformaram em cigarro e quentão). Só pediu para que, quando eu descesse do carro, tirasse a fita do Trem da Viração, que eu estava ouvindo repetidamente desde que gravei...rs.

 

"Da água que o boi bebeu

Bebe não

Deixa pro boi beber

Vá buscar água da mina..."

 

No circular, perguntei à cobradora a que horas chegaríamos e se daria tempo de pegar o outro circular pro bairro dos Souzas. Respondeu-me que um ficava na praça esperando até a chegada desse.

Dei aquela relaxada e percebi que estava mesmo no clima. Ouvia o burburinho das pessoas conversando. Pareciam-me todos alegres, falavam de coisas do cotidiano, do que tinham feito durante o dia em São José, desde quando estavam lá, como estavam os parentes, se iam ao show, que fulana começou a trabalhar e, de vez em quando, a campainha de algum celular se destacava. Nada de PCC. Um senhor com um violão sentou-se ao meu lado, cantarolando. Contive meu ímpeto de puxar uma conversa, e tentando, em vão, identificar sua música, vi uma menina tentar fechar a janelinha e ser ajudada por outras 3 pessoas.

Meus pés, com as 2 meias de lã embaixo da bota, suavam de calor. Minhas mãos, de ansiedade. Meu colo, carregando o casaco, o chapéu e as luvas, estava quentinho. Adormeci.

 

"Pa-ra-ra-rã-rã

Pa-ra-ra-rã-rã

Pa-ra-ra-rã-rã rã-rã-rã rã-rã"

 

Mas a estrada deve ter apenas umas 3 retas e despertei de tanto bater a cabeça no vidro.

 

"Pa-ra-ra-rã-rã

Pa-ra-ra-rã-rã

Pa-ra-ra-rã-rã rã-rã-rã rã-rã"

 

Quase chegando em Monteiro, perguntei ao senhor:

- Onde pego o circular pro Souza?

- No ponto final, na praça, onde vamos descer.

E já emendei: - O senhor está indo tocar lá?

- Não, toquei em São José hoje, moda de viola, sertanejo e umas outras músicas.

Meu celular tocou. Era Júlio, um dos possíveis caronas, mas que no sábado disse que preferia ir mais tarde. Eu disse que já estava a caminho porque todos haviam desistido e ele reclamou que então não teria como ir. Ainda passei o telefone do Rapsódias para que tentasse contato com o Silvinho e a Wanessa.

 

"O fotografista chegou

o fotografista chegou

o fotografista chegou

Então olha a pose!"

 

Paramos na praça exatamente atrás do outro circular. Rapidamente formou-se uma fila enorme na porta. Perguntei ao motorista, que era quem estava vendendo as passagens (R$ R$ 1,70), se passaria em frente ao 'Beira do Riacho'.

- Sim, todos aqui vão descer lá.

Animei mais ainda! Na banco da roleta estava sentado um hippie com 2 quadros cheios de brincos e colares e quando fui guardar o troco, brincou comigo que teria que dar mais R$1,00 pra ele também. Ganharia um anel. Ri, paguei e sentei-me ao lado dele enquanto manejava o alicate e o arame, que transformou num anel em forma de clave de sol.

Uma moça sentou-se ao meu lado e perguntou se estava indo ao show do Zé Geraldo. Foi a deixa! Respondi que sim e, após contar alguns capítulos da minha saga (risos), lamentei que chegaríamos muito cedo, pois ainda eram 20h e o show seria só às 23h. Me socorreu imediatamente, dizendo que estava rolando uma quermesse na pracinha dos Souzas, onde desceríamos. Depois iriam à pé.

Sim, eu estava totalmente no clima.

Todos descemos no ponto final, em frente à Igrejinha. No coreto, 2 caixas de som tocando Sérgio Reis. Uma voz saía estridente do microfone, pensei que estavam leiloando prendas. Lembrei das quermesses em Santa Rita, lembrei da Val, que fez aniversário dia 18 e que, pela primeira vez, desde que a conheci, não liguei. Cheguei mais perto e vi as pessoas apoiadas no balcãozinho de madeira em volta da única barraca: era um bingo. A prenda, um frango assado. Como nas quermesses de Ituverava, quando os empresários da cidade arrematam as comidas e ofereciam para os alunos da faculdade. Que delícia!   Devorávamos os frangos, os bolos, as porções de pastéis que chegavam, tudo com as mãos, na mesma hora.

Dei uma volta na praça e sentei-me no banco de cimento em volta da árvore, ao lado do tablado que expunha doces. Na escadaria havia muita gente sentada, me lembrou São Luís do Paraitinga. Fiquei curtindo tudo aquilo. A música, as pedras cantadas do bingo, as pessoas caminhando, casais de adolescentes de mãos dadas, as crianças correndo, os tiozinhos beldos dançando o tempo todo. Um deles, quando percebeu que tinha platéia (eu!) arriscou alguns passinhos tipo country, com um pé só. E não caiu. Alguém bateu a cartela com o B13: bingo! E outro frango.

Aquilo tudo me lembrou mesmo São Luís do Paraitinga. A Ana (que coincidentemente me ligou domingo), a Lúcia (que passou por aqui domingo), a Daísa (que por incrível que pareça, nunca foi pra lá com a gente, mas sempre está na lembrança). Mais Edilene, Paulinho, Paranga...

A Patrícia ligou, nem ouvi. No orelhão, descobri que meus cartões estavam realmente todos zerados. O André me socorreu de novo ligando pra ela, mas não era nada (hoje descobri que foi a mãe dela, discando errado – e até deixou recado na secretária).

Silêncio só havia raramente, entre uma música e outra, mas os tiozinhos continuavam dançando, o que me lembrou a Luciana Ortiz, em Santa Isabel. Um deles jogou a blusa no chão e dançava ao redor dela, como se a estivesse cortejando.

Pensei: será que não vai passar nenhuma moto pra me lembrar do JM? (como se precisasse disso...) E passou!

Resolvi ser mais sociável (mais?!), levantei, comprei um quentão (R$ 0,50), 3 bolinhos caipiras (R$ 1,00) e 3 cartelas do bingo (R$ 1,00) pra rodada da leitoa à pururuca. Passei longe. Nem o B13 saiu. Mas sempre preferi o azar do jogo.

Chegou uma galera com uma cooler. Misturaram-se aos tiozinhos, que ainda dançavam firmes (mais ou menos!), sem parar. Imaginei várias latinhas geladas, mas só saíam da cooler vodkas, wiskies e batidas.

Eram 22h30 no relógio da igreja e ainda faltava perguntar pra alguém pra que lado ficava o 'Beira do Riacho'. Essa minha timidez ainda me mata... É sério!

Mas começou a chover e fui obrigada a perguntar pro primeiro casal que vi.

Comprei mais um quentão e desci a ladeira asfaltada, atravessei a ponte e reconheci a seta indicativa. Mas... dali pra frente, estrada de terra, molhada, escura, um terror. Nem a luz do meu celular iluminava aquele breu. Me arrependi e desejei que ninguém me visse naquela situação. Morri de medo que o salto da bota escorregasse na pontezinha de madeira, mas foi o lugar mais firme que pisei. Aos poucos, a música da quermesse foi diminuindo e meu medo aumentando. Quando comecei a ouvir a música do Beira do Riacho, ergui a cabeça e vi as luzes do estacionamento. Faltava pouco. Ufa! Mas era a ladeira mais escorregadia.

 

"Se você voltar de São Luís

Já cansada de dançar o boi

Saiba que eu fiquei menos feliz

Naquele dia em que você se foi..."

 

Estava com as mãos tremendo quando entreguei meu ingresso na portaria, devem ter imaginado que era de frio.

Fui direto ao banheiro ver como estava a minha situação. Tudo certo. De cara encontrei a Tatty, que tinha vindo com o Wangy e a Juliana, todos da Vista Verde. Minha carona pra voltar já estava garantida, pensei. Ficou combinado que eu olharia as bolsas e blusas enquanto o Zé Geraldo tocasse, e que depois, durante o show do Trem, inverteríamos. Mas eles resolveram ir embora logo que comecei a dançar. Encontrei a Hélida, também da VV, que estava de carona com um amigo que precisava ir embora às 4 e meia. Tudo bem, se não conseguisse mais nada. Aí encontrei o Júlio, do Pimenta. Beleza! Mas ele se deu bem e também resolveu ir mais cedo do que o combinado. Procurei pelo Silvinho e a Wanessa, mas eles íam dormir por lá mesmo. Nada do Juliano. Ainda tinha sobrado o Bonny e o Júlio, que descobri que tinham vindo com um casal que estava dançando comigo. Engoli meu orgulho e pedi carona pra eles. Seria minha última chance, pois havia comprado 2 coca-colas (R$ 2,00 cada) pra misturar com a cachaça que levei no bolso e não tinha mais nem um centavo.

Me matei de tanto dançar. Já tinha tirado o chapéu e uma das blusas debaixo durante o show do Zé Geraldo. As luvas, nem cheguei a usar. Deixei meu casaco e a bolsa e tudo mais no caixa e cantei e dancei muito.

Quando acabou o show do Trem, fui cumprimentar o Márcio.

Num esforço desmedido pra sutilmente tentar convencer meus caroneiros a estenderem sua permanência, fomos parar na fogueira, onde conhecemos os hippies que vieram naquele segundo circular. Alguns estavam dormindo na grama, com um cobertor que parecia inútil naquele frio. Apareceu um saco de pão. Mas resolveram que estava na hora de ir mesmo. Que pena!

No estacionamento, ainda vi o Márcio Lopes indo embora com o Beto Quadros. Só os dois no carro. Ô desgrameira! Por que não pensei nisso antes?

O Júlio, pra variar, já estava dormindo quando ligaram o carro. Vim cantando, falando pelos cotovelos.

 

"Se eu quiser falar com Deus

tenho que la-iá-la-iá

tenho que la-iá-la-iá

tenho que la-iá-la-iá"

 

Até que no meu quarto 'tenho que...', todos emendaram 'la-iá-la-iá'. Choramos de rir. Deixamos o Bonny em Santana e liguei pro André me pegar na rodoviária. Eram 6h40 ainda. Depois lembrei que não havia avisado que era na rodoviária velha, mas ele estava tão de boa que eu ainda arrisquei um convite pra um café e um pastel no mercadão. Ele topou e ainda pagou!!!

Cheguei em casa quase 8 horas da manhã muito feliz e com tempo para dormir bastante até a reunião do sarau, à tarde.

Como foi o show do Zé Geraldo? Ah! Nem dá pra contar porque fiquei totalmente afônica depois de tudo isso!

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